Depois de anos defendendo ferozmente seus direitos e territórios contra o governo de ultra direita de Bolsonaro, os Povos Indígenas no Brasil e a comunidade internacional estavam esperançosos por uma mudança com a vitória de Lula, que concorreu à presidência com promessas de proteger o meio ambiente e reconstruir relações com os povos indígenas. A criação do Ministro dos Povos Indígenas –liderado por Sonia Guajajara– e a demarcação de seis novos territórios indígenas (alguns que esperavam há 30 anos para obter esse status) indicavam a virada de uma era.
No entanto, foi de curta duração; a agenda anti-indígena e pró-ruralista ainda permeia profundamente a política e a sociedade brasileiras. Grande parte do país é contra políticas que beneficiem os povos indígenas, concedendo-lhes direitos sobre as suas terras ancestrais, e muitos afirmam que a melhor forma de “desenvolver” o país é através da plantação extensiva de soja, da criação de gado, etc. Apesar das evidências sólidas de que estas ações podem agravar a crise climática. Neste momento, os Povos Indígenas (PIs) enfrentam pelo menos cinco leis e documentos legais que colocam em risco as suas vidas e territórios. A tese do Marco Temporal e os projetos de lei PL2940/PL2903 querem impedir a demarcação de terras indígenas, o que poderia dar luz verde a grupos ruralistas para invadir e violar os direitos dos Povos Indígenas que protegem a biodiversidade.


foto: @junomundo

Além disso, a Câmara dos Deputados, o Senado e o sistema de Justiça têm membros que afirmam que já há demasiadas terras nas mãos dos povos indígenas, ao mesmo tempo que insistem em concessões mais significativas para mega-projectos agrícolas, exploração petrolífera e mineração. Ainda na semana passada, no dia 30 de maio, os deputados brasileiros aprovaram o projeto de lei PL2940 (agora chamado de PL2903), que propõe a liberação da construção de rodovias, hidrelétricas e outras obras em terras indígenas sem consulta livre, prévia e informada aos PIs; concede autorização para contestar a demarcação de terras em qualquer etapa; afrouxa o marco político de não-contato com povos isolados. O projeto deverá ser analisado pelo Senado nos próximos dias. A Articulação dos Povos Indígenas do Brasil (APIB) convocou mobilizações nacionais contínuas para impedir o projeto de lei e está fazendo uma cobertura ao vivo da situação.
As ameaças aos povos indígenas também passam pelo sistema de justiça. A tese do Marco Temporal pode transformar-se em breve num precedente jurídico prejudicial. O texto argumenta que os povos indígenas só têm direito à demarcação de suas terras tradicionais se estivessem ocupando essas terras em 5 de outubro de 1988, data da publicação da Constituição Federal do Brasil. De acordo com essa tese, as terras ocupadas por outros povos nessa data não podem ser demarcadas como terras indígenas. Estes territórios podem ser considerados propriedade de particulares ou do Estado, já não dos povos originários que os habitam. A tese tem sido defendida por setores rurais e políticos que argumentam que a falta de uma data definida para a ocupação das terras ocupadas por indígenas gera insegurança jurídica e conflitos fundiários. No entanto, é amplamente criticada por juristas, organizações indígenas, movimentos sociais e ambientalistas, que apontam que a tese é uma ameaça aos direitos dos povos indígenas e uma afronta à sua dignidade e sobrevivência. Além disso, muitas comunidades indígenas foram expulsas de suas terras durante a ditadura militar e só puderam retornar após a data estabelecida pela tese, o que pode resultar em graves violações de direitos humanos.
A tese do Marco Temporal poderá ser aprovada no dia 7 de junho, quando o Supremo Tribunal Federal julgará o caso Xokleng – uma disputa do Instituto do Meio Ambiente de Santa Catarina (IMA) contra a Fundação Nacional do Índio e o povo Xokleng, que pretende destituí-los de suas terras ancestrais. Se o IMA vencer com o argumento jurídico do Marco Temporal, muitos outros processos judiciais poderão se seguir para contestar a demarcação de terras indígenas em todo o país.
Cientistas de todo o mundo têm demonstrado repetidamente que conceder aos povos indígenas o acesso às suas terras é a forma mais eficaz de proteger os ecossistemas críticos de que toda a humanidade necessita para travar as alterações climáticas. Por exemplo, o estudo mais recente do Projeto de Monitorização da Amazónia Andina mostra que os territórios indígenas são ainda mais eficazes a travar a desflorestação e a perda de floresta do que as áreas protegidas a nível nacional. Os dados são significativos para o Brasil, que detém a biodiversidade e a fauna mais extraordinárias do planeta; 10% das espécies do nosso mundo vivem aqui. Além disso, 305 grupos étnicos indígenas habitam estes territórios repletos de natureza, proporcionando uma riqueza cultural e mostrando uma forma de viver em ligação com a natureza.
Estamos atualmente numa encruzilhada para travar os projectos acima mencionados que ameaçam a vida dos povos indígenas e, por sua vez, põem em risco de destruição os biomas sob a sua tutela. A perda da natureza e da riqueza cultural no Brasil prejudica muito a saúde do planeta e põe em risco os objectivos globais para travar as alterações climáticas.
Como é que pode ajudar?
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